Enfim

Por R.

Alone in the Dark 

Os trincos não tiveram de se mover, somente a maçaneta dourada. O ranger da porta se abrindo não ecoou ali, para sua surpresa. "É lânguido o ar num quarto vazio.", retumbou em sua mente em memória às noites debruçando-se sobre Woolf. "As flores fenecem no vaso.", surgiu em seguida. Como descobrisse a efemeridade do vento que corria, tateou a rosa inerte que jazia no banco dos fundos. "Talvez não seria tão escrupulosa se vivesse.", pensou. Pondo-se a caminhar por entre os bancos sóbrios da capela, dirigiu-se à cruz ladeada por imagens de carvalho. Pregou o olhar no centro de seu vago semblante e guiou cautelosamente seus pés até o degrau antecedende ao altar de mármore. Não sabia a quem, nem por qual motivo, entretanto agradeceu. Suspendeu a rosa em seu último suspiro e deixou que traçasse a trajetória calidamente interrompida pela superfície fria da pedra. Fitou por alguns instantes o cenário que se projetava diante do pôr do Sol de janeiro. Mesmo fugaz, invadindo a copa das árvores que balouçavam sonolentas no campo por atrás dos vitrais, a claridade alaranjada teimava em não acorbertar o silêncio na capela. Recuou alguns centímetros, ainda mantendo a rosa em seu campo de visão. Ao lado, o benzedouro refletia a imagem distorcida de Maria e as videiras perdiam-se em si próprias. Virou-se e andou um tanto impenetrável aos olhos dos apóstolos envidraçados. Cruzou novamente o ínfimo espaço reservado aos joelhos submissos que desembocava na saída. Levantou o olhar vagarosamente e, nesse instante, mesmo que não tomasse conhecimento integral da imensidão que resguarda a eternidade, sentiu o baque fabuloso da juventude. Sorveu triunfante o ar fresco que aflorava jocosamente e vislumbrou o instante que o destino insistira em agraciar. Sob céu fumegante em alto relevo, extraído sem rancor da porção secretamente abstrata da realidade, percorreu satisfeito o caminho de pedras arrematado no gramado purpúreo que aninhava as árvores douradas. Pela primeira vez, enfim, o senso ecumênico da possibilidade inundou sua mente. O futuro traçava-se gentilmente a sua frente enquanto as pedras sustentavam seu caminho. Por cima do ombro esquerdo, previu a omissão do Sol vespertino pelo telhado. Alcançou a sombra da figueira branca e vasculhou em seu bolso pela tinteiro. Sentou-se em uma raíz saliente e sacou o caderno da confusão irreparável de sua bolsa. Abriu-o, desenhando um sorriso singelo no rosto, e dispôs a primeira página vulnerável. Repousou a mão entrelaçada na caneta, como fossem uma só, e desde então não se pôde descrever a sintonia harmoniosa que soou entre mente e alma. Sabe-se somente que iniciou: "Enfim, as horas minhas.".

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